No turbulento cenário religioso da Rússia do século XVII, um dos episódios mais sombrios e impactantes da fé cristã ortodoxa ocorreu por volta do ano de 1669. Em meio a reformas e tensões espirituais profundas, um grupo conhecido como “Velhos Crentes” (em russo, Starovery) protagonizou um dos capítulos mais extremos da história do cristianismo oriental: suicídios coletivos em massa, motivados pelo temor do Anticristo.
O Surgimento dos Velhos Crentes
O movimento dos Velhos Crentes surgiu em oposição às reformas litúrgicas promovidas pelo patriarca Nikon, da Igreja Ortodoxa Russa, na década de 1650. Tais reformas tinham como objetivo alinhar os rituais e livros litúrgicos russos aos do patriarcado de Constantinopla, corrigindo erros que haviam se acumulado ao longo dos séculos. Contudo, para muitos fiéis, essas mudanças foram vistas como uma traição à fé original.
Convencidos de que a Igreja oficial havia apostatado e que a verdadeira fé estava sendo suprimida, os Velhos Crentes acreditavam que o tempo do fim dos tempos havia chegado, e que o Anticristo já estava agindo por meio da Igreja reformada e do Estado czarista que a apoiava.
Suicídios por Temor Escatológico
Essa convicção não ficou apenas no discurso. Em 1669, relatos históricos indicam que centenas de seguidores da seita começaram a se suicidar em massa, especialmente por meio da autoimolação (ateando fogo a si mesmos ou a comunidades inteiras), como forma de evitar cair nas mãos do Anticristo e manter a “pureza da alma”.
Para esses fiéis radicais, era melhor morrer queimado do que viver sob um governo e uma igreja que, em sua visão, haviam sido corrompidos pelo inimigo escatológico de Deus.
O Eco da Loucura Apocalíptica
Esse episódio evidencia o quanto uma visão distorcida da escatologia — ou seja, dos eventos finais da humanidade — pode levar a atitudes extremas e desumanas, mesmo em nome de uma fé sincera. O pânico coletivo, alimentado por interpretações literais e desconectadas da esperança cristã, culminou numa tragédia cujas cicatrizes ainda ecoam na memória religiosa da Rússia.
Embora os Velhos Crentes continuem a existir como grupo religioso até hoje — agora pacíficos e tradicionalistas —, o ano de 1669 permanece como um alerta histórico de como o medo e o fanatismo podem transformar a fé em destruição.
